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A problemática das formas na arte contemporânea: Um olhar sobre Objetos Específicos de Donald Judd

  • Joana Gabriel
  • 31 de jul. de 2017
  • 11 min de leitura

A problemática das formas na arte contemporânea[1]:

Um olhar sobre Objetos Específicos de Donald Judd



Resumo: A década de 60 do século XX, instigada por uma série de artistas Americanos e Europeus que transformaram a arte num palco de experimentação, tornou-se o berço de alterações estruturais e teóricas profundas nas manifestações artísticas. Afastando-se gradualmente da Pintura e da Escultura, as manifestações artísticas deste período, optam por se desvincular dos elementos que lhes são característicos como é o caso da forma. Neste ensaio, partindo do manifesto teórico de Donald Judd, Specific Objects, pretende-se retomar a problemática da forma que atravessou a arte moderna e se estendeu à arte contemporânea, percecionado a maneira como ela é vista e explorada por Judd. Ainda que a Forma não seja o objeto central de Specific Objects, seguindo a tendência da Historiografia artística atual, que tem outros paradigmas e faz levantamentos de pequenos detalhes da arte, da sua teoria e história, este ensaio procura analisar também pela extensão que lhe é conferida uma das linhas problemáticas do artigo e não a sua totalidade correlacionando-o, sempre que possível, com outras problemáticas levantadas em torno da forma na arte contemporânea.


Palavras-Chave: Formas – Donald Judd – Objetos Específicos – Arte Contemporânea



Notas Introdutórias:


Na década de 60, vários artistas começaram a expor em Nova Iorque e Los Angeles, obras tridimensionais – como a The Diagonal of May 25 de Dan Flavin ou a Aluminium-zinc Dipole E/W de Carl Andre - que não se inseriam na categoria de escultura, nem pintura. Tendo por base um processo reflexivo extenso em torno da arte, da sua autoconsciência, da sua exploração e da crítica dos seus domínios, a pintura e a escultura entraram numa crise de representação geral que leva a maioria dos artistas e teóricos de arte a considera-las disciplinas exaustas.

Associado a este esgotamento das principais disciplinas artísticas, e à tentativa de repensar a arte, começam a surgir instalações bi ou tridimensionais, com formas mais simples, arranjos dinâmicos, sem elementos ornamentais ou acessórios, onde se explora a escala, a luz, o formato, a superfície, cor, e a relação com o ambiente, recorrendo a materiais mais industriais, longe da tela e do óleo.

No panorama artístico – teórico e prático – vários nomes como Ad Reinhardt, Riechard Wolheim, Dan Flavin, Carl Andre, Robert Morris, Donald Judd ganham destaque, e os textos teóricos desencadeiam-se uns atrás dos outros, tentando fundamentar e alicerçar o novo gosto que emergia, que pouco tinha em comum, mas que convergia num elemento fundamental, o afastamento intencional da pintura e da escultura, assim como dos elementos que lhe são característicos. Gerando uma almofada teórica para os novos preceitos artísticos, inseridos na arte Minimal, The Art of the real, Cool Art, Notes on sculpture e Specific Objects, são alguns dos textos/manifestos/artigos que problematizam as alterações para que a arte contemporânea converge, sendo relevante para este ensaio a problematização que se desenvolve em torno das formas partindo do artigo de Donald Judd, Specific Objects.



Donald Judd e a década de 60


Ainda que tenha tido uma formação ampla no campo teórico da arte, já que se formou em filosofia e se pós-graduou em História da Arte na universidade da Colúmbia, Donald Judd não se destacou no campo artístico apenas pela sua atividade de crítico de arte, ele desenvolveu também uma extensa obra enquanto pintor e escultor.

O seu percurso de artista plástico iniciou-se assim pela pintura, onde Judd se apresentou como um pintor abstrato, que privilegiava as composições geométricas. A partir da década de 60, Donald Judd adquire destaque mundial quando é reconhecido como um dos principais representantes da arte Minimal. Nesta fase além de teórico, o artista apresenta-se como escultor. Acompanhando o campo teórico com o prático, a partir de 1963, Donald Judd passou a construir estruturas geométricas que não mantinham relações com a escultura tradicional. Estas estruturas inicialmente construídas em madeira, rapidamente passaram a privilegiar materiais mais industriais, como o aço inoxidável.

As suas obras não eram figurativas, esculpidas ou moldadas e não possuíam pedestal tradicional já que esses elementos acabam por as aproximar da pintura e da escultura, na verdade elas baseavam-se em suportes matemáticos, projetavam-se no espaço real, com recurso a materiais comuns e com unicidade estrutural. Assim sendo estas eram desprovidas de ornamento, ou elementos decorativos e figurativos que apelassem ao caracter emocional ou divisional da obra.

É também na década de 60 que Donald Judd, elabora o texto Specific Objects - 1963 - elemento teórico fundamental para o presente ensaio. Neste texto Judd avança com uma teorização das disciplinas artísticas - escultura e pintura – caracterizando o seu estado, os elementos que lhe são característicos e o espaço em que elas se desenvolvem, caracterizando igualmente os elementos e espaços que não se inserem nem numa, nem noutra categoria, a que ele denomina Objetos específicos. Segundo o autor existem elementos como a forma, a cor, a superfície, que não pertencem ao campo da pintura nem da escultura, mas que pertencem aos domínios da arte, assim como existe um espaço – o tridimensional – em que arte pode existir sem se comprometer com as suas disciplinas anteriores. Para Judd o uso da tridimensionalidade é a alternativa óbvia para os artistas da sua geração se afastarem da pintura e das suas características ilusórias, e descritivas. Só no espaço real e tridimensional é que a arte se pode desenvolver antiilusionista e antigestual.

As estruturas que Donald Judd propõe integram nelas cor, forma e superfície de maneira una e equivalente, gerando o que ele denomina de unidades, singles ou wholeness: que valem por si próprias e que só remetem para si mesmas. Como exemplo destas unidades temos os trabalhos que Judd apresenta na sua primeira exposição individual na Green GaJlery, em dezembro de 1963. (JUDD, 1963)

As questões que Donald Judd desenvolve no seu texto Specific Objects, em especial em torno da problemática da forma e do objeto, serão futuramente o centro de polémicas teóricas suscitadas em Recentness of esculpture, 1967, por Clement Greenberg e no texto Art and objecthood de Michael Fried do mesmo ano, que consideram não existir coerência entre o texto de Donald Judd com o de outros artistas contemporâneos como Morris, no que toca à arte minimal.

Segundo o Livro Escritos de Artistas – Anos 60/70 no ano de 1975, o Programa Nacional da Galeria Nacional de Ottawa, publicou um Catalogue Raisonné of Paintings, Objects, and Wood-Block 1960-1974, dedicado a Judd e ao seu trabalho. (JUDD,1963)

No que toca ao seu trabalho enquanto teórico e crítico da arte, os textos de Judd analisam de forma problematizante as questões da arte e da sua produção, recebendo comentários e apreciações de artistas contemporâneos como Robert Smithson, Mel Bochner, Dan Flavin, entre outros. (JUDD, 1963)

Nos anos 80, o artista reconverte um forte militar no Texas, num centro permanente de exposição – para os seus próprios trabalhos e de outros - que ainda nos dias de hoje pode ser visitado.( JUDD,1963)




A problemática das formas na arte contemporânea: Um olhar sobre Specific Objects.



A problematização da arte, da sua função, dos elementos que lhe são característicos, e das suas disciplinas, não é um assunto exclusivo da década de 60, ou mesmo do século XX. Na verdade, ainda que dissimulada nos cânones das academias, na busca desmesurada pela teorização de Obra-Prima, nos primeiros passos da crítica da arte ou mesmo nas suas conceções históricas, a problematização da arte esteve sempre presente nos seus domínios, acompanhando e impulsionando as suas evoluções.

Conhecer a arte implica problematizá-la e teorizá-la.

Vasari, Winckelmann, Riegle, Wolfflin, Hegel, Kandinsky, Duchamp são alguns dos nomes que ao longo dos séculos XIX e XX desenvolveram em torno da arte momentos teóricos reflexivos. Na obra Do espiritual na Arte (1912) por exemplo, Kandinsky defende que cada forma e cor tem um conteúdo força que interfere diretamente com a alma Humana, agindo psicologicamente sobre o observador, exigindo que se extinga a relação passiva que existia com a obra de arte. A partir do uso das formas e das cores, longe da cópia inútil e fazendo uso da liberdade tanto quanto a intuição do artista permita até o tempo de produção da própria obra de arte se altera, ela não mais termina quando o pintor define a sua finalização material mas sim quando o observador deixa a obra de arte ecoar nele, passando a senti-la. Mais que uma cópia do real, a obra de arte deve ser uma porta de acesso que desperta num espectador uma sensação diferente da palavra, criando um novo mundo.

Esta menção à problematização constante da arte e dos seus componentes, não serve para retirar excecionalidade à problematização da forma levada a cabo do Judd em Specific Objects, no entanto, mostrou-se necessária para explicar que as questões em torno da arte não surgem associadas exclusivamente à arte minimal, e as teorias dela subjacentes, nem se desenvolvem de maneira isolada. Efetivamente conhecer e produzir arte, exige teoriza-la e problematizá-la em algum momento, e é exatamente deste ponto que importa analisar o «manifesto» de Judd.

Quando em 1963 Donald Judd, começa a construir estruturas geométricas tridimensionais, este afasta-as do caracter figurativo, escultórico, modelado, e artificialmente expositivo, já que segundo a sua própria concepção esses elementos se aproximam da pintura e da escultura, duas disciplinas artísticas já esgotadas. Assim ele decide explorar as formas por si mesmas, enquanto elementos isolados da pintura e escultura, a que ele chama «objetos específicos». Ao longo da arte moderna a problematização da forma e a exploração do seu potencial foi sendo experimentado e trabalhado de variadas maneiras, em diversas correntes, no entanto a problemática não se esgotou nesse período. Na realidade as várias teorias e correntes que foram surgindo próximas ou distantes das formas, não conseguiram homogeneidade nem unanimidade quanto ao seu papel na arte, não existindo, portanto, um esgotamento da problemática ou uma inviabilidade.

Na teoria de Donald Judd, Specific objects, a forma ganha mais uma vez espaço de discussão e problematização e apresenta-se como um elemento que é necessário unificar. Uma forma vale por si mesma, por isso deve apresentar-se sozinha - intensa, clara, potente, e não diluída – anulando a necessidade de adicionar muita informação visual, como acontece por exemplo na sua obra Sem Título, do ano 1972, pertencente à série habitualmente denominada Caixas. Judd, rejeita a tendência aditiva dos escultores, considerando que existe um gesto humano naturalista na escultura que sugere um relacionamento com as formas humanas, sendo que cada objeto concerne em si uma única forma que está diretamente relacionada com as formas humanas e com o ambiente, tendo assim um único propósito.

Partindo do retângulo, muitas vezes usado unicamente como limite para demarcar a distância física entre o espaço parietal da obra de arte em si, Donald Judd, explica que nos «trabalhos antigos», anteriores a 1946, “ as bordas do retângulo” não eram tidas como uma forma, mas sim como um limite do “plano retangular chapado na parede”[4] em que a pintura se movimentava, no entanto, segundo o autor “a composição deve reagir às bordas e o retângulo deve ser unificado.”[5] Analisando as obras de arte contemporâneas ao texto, Judd, acredita que o retângulo já não é mais um limite completamente neutro, e passa a ser inserido na obra de arte, onde as formas que nele ocorrem e a superfície são aquelas que nele se inserem. Neste jogo de formas, o retângulo ou qualquer forma de suporte, deve ser incluída mas não enfatizada, pois quanto mais enfatizada for mais tensa se torna a relação entre os elementos artísticos, e um trabalho artístico não precisa de tensão, precisa de ser unicamente interessante e desenvolver-se num espaço tridimensional.

Nesta questão de perceção de formas segundo Judd não existem áreas neutras, nem moderadas, assim como não existem conexões ou áreas de transição, isto é, as formas, a imagem, a cor e a superfície apresentam-se unas, sendo visíveis de uma só vez, e numa primeira contemplação pois não concernem significados ocultos, valem por si mesmas, como podemos visualizar por exemplo na sua obra Sem Título (DSS 216) de 1970, composta por 10 unidades de em ferro galvanizado com Plexiglas âmbar, onde as unidades se apresentam unas, ordenadas, sem áreas de transição e sem planos diferentes que atribuem maior valor a uma ou outra unidade.

Para Kandinsky, as formas apresentam-se como um veículo necessário para levar ao observador um conteúdo elevado que encontram na sua materialidade expressão, diferentemente do que defende Judd, onde as formas podem ser usadas de várias maneiras, mas contêm apenas um significado, o seu próprio. Esta comparação mostra-se relevante porque coloca em discussão dois momentos artísticos que mesmo separados por cerca de cinquenta anos, projetam as formas para dimensões diferentes das que a arte estava habituada. Se com Kandinsky as formas são projetadas para uma dimensão mais mística e espiritual, com Donald Judd elas são catapultadas para a tridimensão, a dimensão por si entendida com real.

A tridimensão para Judd é considerada como o único espaço real, onde os artistas se podem movimentar e não existe lugar para o ilusionismo e o sentido descritivo da pintura, com quem se deseja romper. Enquanto perceção artística nova, existe uma necessidade de apresentar objeções ao que foi feito anteriormente, não porque se considere negativo tudo o que foi feito, mas porque existe um certo desconforto referentemente ao passado.

Ao cortar com a teoria da imitação, a mimesis, dando relevância às formas por si só, corta-se com o vínculo entre uma determinada obra e o ideal de representação, criando uma crise que será o mote para despoletar novas dinâmicas artísticas, novas perceções e novas problemáticas que estarão na base da movimentação teórica e prática da arte.


Considerações finais


É na década de 50, do século XX, com Pollock, De Kooning, Rothko, Still, entre outros, que a pintura já livre do peso da tradição e voltada unicamente para a explicitação e crítica dos seus próprios procedimentos explora uma linguagem puramente pictórica, onde esta se volta para o que lhe é intrínseco.

Quase em simultâneo, acompanhando o percurso da pintura, a escultura começa a seguir igualmente um percurso em direção aos elementos que lhe são próprios. Abandonando progressivamente a prática escultórica funerária, e a prática de homenagear alguém substituindo uma ausência, que lhe conferiu o surgimento, a escultura a partir do século XX quebra a separação com a humanidade e coloca-se a si equiparada. Desde então não se dedica mais à parede, mas sim à sua relação com o solo – em especial quando é isolada pelo plinto, já que ele a liberta da força da gravidade.

Esta reorientação das antigas disciplinas artísticas para os seus elementos próprios, liberta a forma, a cor, a superfície e a imagem dos vínculos que haviam criado, permitindo-os desenvolver as suas próprias funções, conter os seus significados e valer por si mesmos.

Teorizando estas questões, Donald Judd, em Specific Objects, problematiza as relações entre as produções artísticas a si contemporâneas e as produções anteriores de pintura e escultura, sendo relevante para este ensaio as que se prendem com a forma, um elemento imensamente problematizado na arte moderna e contemporânea.

Decidindo explorar as formas, a que ele chama «objetos específicos», pelo seu próprio valor enquanto elementos que não pertencem nem à pintura, nem à escultura, na obra de Judd, esta apresenta-se como um elemento que é necessário unificar.

Enquanto elemento que vale por si mesmo, as formas não têm a necessidade de adicionar informação visual, já que estão relacionadas com as formas humanas e com o ambiente, tendo assim um único propósito. As formas apresentam-se unas, percetíveis numa primeira contemplação e não concernem significados ocultos diferentemente do que acontece na obra Do Espiritual na Arte de Kandinsky, onde as formas se apresentam como a expressão de uma dimensão espiritual.

Em suma, em Specific Objects Donald Judd, marca teoricamente uma nova rutura da arte com os seus precedentes anteriores, explorando novas maneiras de autonomia da arte, partindo-se do princípio que a forma não se trata de uma categoria histórica. Porém, mesmo tendo a convicção de que uma obra de arte é uma entidade que é percecionada em si mesma, e que cada uma representa uma ideia particular de arte, é necessário considerar que na realidade a sua autonomia é uma ficção moderna e do modernismo.


Referências Bibliográficas


FRIED, Michael – Art and objecthood. 1967. Tradução FERREIRA, Glória - Arte e objetividade. Arte&Ensaios nº 9, 2002.

JUDD, Donald - Specific objects. Arts Yearbook, nº 8. 1965 Tradução FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília - Escritos de Artistas – Anos 60/70. [s.l] Ed. Zahar. 2006

Kandinsky, W - Do espiritual na arte. E na pintura em particular. Tradução Martins Fontes. São Paulo, 1996

ÜNSAL, Merve - Minimalist Art vs. Modernist Sensibility: A Close Reading of Michael Fried’s “Art and Objecthood”. [s.l] Art&education. 2017

SARDO, Delfim – O minimalismo nunca existiu. Donald Judd e as Polémicas fundadoras do minimal entre 1965 e 1969. Lisboa: Faculdade de Belas Artes a Universidade de Lisboa.2000




[1] Porque se torna difícil encontrar uma nomenclatura aceite de forma unanime para a produção artística que emerge depois da segunda Guerra, decidi para facilitar a perceção do presente ensaio utilizar um dos termos mais corrente. Assim sendo, arte contemporânea no presente ensaio compreende de forma mais ou menos flexível as manifestações artísticas produzidas desde meados do século XX. Ao longo do ensaio ainda aparecerá o termo arte moderna, que abarcará a arte produzida durante o século XIX e primeiras décadas do século XX.



[4] [4] JUDD, Donald - Specific objects. Arts Yearbook, nº 8. 1965 Tradução FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília - Escritos de Artistas – Anos 60/70. [s.l] Ed. Zahar. 2006 p.3


[5] JUDD, Donald - Specific objects. Arts Yearbook, nº 8. 1965 Tradução FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília - Escritos de Artistas – Anos 60/70. [s.l] Ed. Zahar. 2006 p.3

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